quarta-feira, 18 de agosto de 2004

O fantasma do autoritarismo




Ao entrar em seu vigésimo mês de governo, o PT tem trunfos importantes para comemorar.
A economia  finalmente começou a dar sinais de recuperação com a inflação sob controle e o
desemprego em queda la fora, o risco-país permanece baixo e os investidores estrangeiros matêm sua atenção no Brasil. O presidente Lula, que segue como um dirigente prestigiado no exterior, acaba de recuperar 10 pontos em sua popularidade, voltando a ter 38% de aprovação do eleitorado brasileiro. A dois meses do primeiro teste do governo petista nas urnas, sua principal candidata, a prefeita Marta Suplicy, aparece pela primeira vez na liderança das pesquisas. Nesse cenário, tudo parecia sob controle e bem encaminhado, com o país entrando num sereno período de prosperidade - mas o governo resolveu disparar um tiro de bazuca no próprio pé ao revelar um incontrolável tique autoritário. Primeiro, divulgou um projeto de controle ditatorial da produção de cinema e televisão, que incluía até intromissão na linha editorial da programação. Em seguida, despachou ao Congresso uma proposta, que em resumo, consiste no mais severo ataque à liberdade de imprensa no país desde o regime militar (1964 - 1985)



O Palácio do Planalto não esperava que as duas propostas gerassem uma reação tão profundamente indignada da sociedade – no Brasil e no exterior. O projeto que cria a agência nacional de cinema e audiovisual, batizada de Ancinav, já sofreu modificações, com a exclusão das interferências na linha editorial, e o ministro da Cultura, Gilberto Gil, anunciou que "tudo o que possa ser interpretado como autoritário será reescrito ou eliminado". Porém, a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo, cuja missão é "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão de jornalista, está integralmente mantida, apesar da flagrante tentativa de cercear a liberdade de imprensa, pensamento e expressão. "Não poderíamos ter escolhido um momento pior para lançar esse projeto", diz um ministro com gabinete no Palácio do Planalto, ao referir-se à onda de denúncias contra o presidente do Banco Central e o do Banco do Brasil. "Passou a clara impressão de uma tentativa de ameaçar a imprensa, que não é a intenção do governo. Por que razão fomos meter a mão nessa cumbuca?", lamenta-se o ministro. Talvez porque no DNA de alguns petistas do primeiro time esteja ainda inscrita a palavra de ordem dos bolcheviques russos: "Todo o poder aos soviets". Para quem não sabe, soviet, em russo, significa conselho.


Pela proposta remetida ao Congresso, o Conselho Federal de Jornalismo seria composto de dez membros, com a missão de zelar pelo comportamento ético dos jornalistas e – aí é que mora o perigo – pelas "atividades jornalísticas", o que não passa de um velado cerceamento da liberdade de imprensa. Em sua defesa, o governo alega que não é autor do projeto nem pretende baixar controle algum sobre a imprensa. "O governo não terá nenhuma ingerência nesse assunto: trata-se de uma iniciativa dos próprios jornalistas, que indicarão livremente os integrantes do conselho", escreveu o assessor de imprensa do Palácio do Planalto, o jornalista Ricardo Kotscho, em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo. Da Espanha, Frei Betto, assessor especial do presidente Lula, disse que os grandes meios de comunicação "fazem um terrorismo psicológico porque não querem perder o monopólio da palavra" e, por isso, são contra o conselho. "Há tempos que os jornalistas, e eu me incluo como profissional do jornalismo, querem um conselho próprio para a regulamentação da ética profissional." Desconhecem-se as razões pelas quais Frei Betto possa saber o que querem os jornalistas brasileiros. Mas talvez tenha razão, pois, mutante como é, ora se comporta como jornalista, ora como assessor de Lula, ora como padre, dependendo do que mais lhe convém em cada momento. 

Nem parece o mesmo governo cujo chefe disse em dezembro passado, em seu balanço de fim de ano, que "notícia é tudo aquilo que nós não queremos que seja publicado, o resto é publicidade". Pois o mesmo governo, o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mandou ao Congresso na semana passada o projeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo, que, em sua essência, transforma jornalistas em propagandistas de governos. No processo de explicação das iniciativas, os comissários petistas acabaram revelando uma preocupante ligação com um passado totalitário que se achava sepultado pela prática democrática. O mais enfático viajante desse túnel do tempo ideológico foi Luiz Gushiken, secretário de Comunicação e Gestão Estratégica, que tem sala no Palácio do Planalto, para quem "nada é absoluto, nem a liberdade de imprensa".

A liberdade de imprensa é não apenas um bem absoluto da sociedade como está estabelecida na Constituição brasileira. Nenhuma atividade está livre de maus profissionais e de cometer abusos. A imprensa muito menos. Por sua natureza e pela particularidade de seu exercício, a imprensa está entre as que mais cometem erros e fazem julgamentos precipitados. Ela precisa mesmo estar sob constante vigilância. Ocorre que está, sempre. Cada vez que chega às bancas, os jornais e as revistas estão se submetendo a julgamento popular instantâneo. Para as reparações mais específicas, a Constituição prevê que os abusos da imprensa devem ser corrigidos por meio da Justiça, sem que exista necessidade de algum órgão superior para estabelecer limites à liberdade de expressão. É assim que as coisas funcionam nos países democráticos. Mas não nos arraiais do PT, como se observa neste trecho do artigo de Ricardo Kotscho: "O objetivo central da criação do CFJ – a exemplo do que há muito ocorre com advogados, médicos, economistas e outras categorias – é exatamente defender a dignidade e a ética exigidas no exercício da profissão, para garantir à sociedade a plenitude da liberdade de imprensa, e não a liberdade para alguns profissionais e algumas empresas divulgarem o que bem entendem a serviço dos seus interesses". 


Nada mais revelador. Em todas as profissões citadas pelo secretário de imprensa do PT, inclusive a de jornalistas, o que garante a qualidade do serviço prestado à comunidade é justamente o arbítrio individual dos profissionais e dos dirigentes das empresas onde eles trabalham. Os conselhos profissionais têm efeito secundário e muitas vezes nulo no comportamento ético e na prática cotidiana dos advogados, médicos, economistas e outras categorias profissionais. "Não existe ética coletiva. A ética é uma instância individual", ensinava o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920). Não é preciso filosofar em alemão para saber isso. O próprio Lula construiu sua carreira fazendo opções éticas individuais que mudaram sua vida e, com sua eleição a presidente, a do Brasil. Quando o Partido Comunista quis recrutar Lula para seus quadros nos anos 70, o jovem e idealista líder metalúrgico mandou os enviados de Moscou às favas. Lula achou as propostas e os métodos dos comunistas "imprestáveis para quem queria fazer política de modo transparente e às claras", como ele lembraria mais tarde. Os assessores de Lula teriam poupado o governo de constrangimentos e desgastes desnecessários com o projeto estapafúrdio caso tivessem informado corretamente o presidente. Aparentemente não o fizeram.



Lula tem uma boa imagem da imprensa, como atestam suas declarações, em especial uma de fevereiro passado. "Eu acho que a imprensa joga um papel muito importante quando levanta as dúvidas, agindo cada vez mais com seriedade", disse o presidente Lula. É de supor que o presidente foi levado a acreditar que a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), patrona do projeto, é um órgão composto de jornalistas no pleno exercício da profissão e empenhados no dia-a-dia de levantar dúvidas e fazer jornais e revistas com seriedade. Não é. Do ponto de vista legal, a Fenaj tem a aparência de um órgão legítimo, que representa os 100.000 jornalistas brasileiros. Como menos de 30% dos jornalistas são sindicalizados, pode-se afirmar que a Fenaj representa uma minoria. Eleita no mês passado, a diretoria atual da entidade não é uma expressão de jornalistas que trabalham em jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão. A maior parte está afastada das redações e presta serviços de assessoria de imprensa, em geral a empresas estatais e políticos. A atual diretoria é composta de sete jornalistas, dos quais apenas dois não são filiados ao PT. E, dos dois não filiados, um é franca e publicamente simpático ao partido. Confira:


• Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Fenaj, está afastado das redações há catorze anos. Catarinense, 42 anos, foi assessor do primeiro vereador do PT eleito em Florianópolis, em 1992, e trabalhou na prefeitura na gestão do vice-prefeito Afrânio Boppré, do PT. É um petista de primeira hora, filiado ao PT desde 1982.

• Frederico Barbosa Ghedini, 51 anos, é vice-presidente da entidade e trabalha numa editora especializada em publicações sobre tecnologia da informação e telecomunicação desde 1988. Atualmente, está licenciado da empresa. É sócio-fundador do PT em São Paulo.

• Antônio Pereira Filho, segundo-vice-presidente, filiou-se ao PT em dezembro do ano passado. Aos 36 anos, integra a direção do partido em Alagoas e trabalha como assessor de imprensa de um sindicato. 

• Celso Schroeder, secretário-geral, é professor universitário, trabalha como chargista desde 1986 e está filiado ao PT há mais de quinze anos. Em 1994, candidatou-se sem sucesso a deputado federal pelo partido.


• Aloísio Soares Lopes, primeiro-secretário, 38 anos, mineiro. Há cinco anos trabalha como assessor de imprensa. É filiado ao PT desde 1992.


• Maria José Braga, 40 anos, tesoureira, não tem filiação partidária. Trabalha como repórter de jornal. É simpatizante do PT. Na última eleição, assinou um manifesto de apoio à candidata petista ao governo de Goiás.


• Carmem Lúcia Souza da Silva, segunda-tesoureira, 32 anos, preside o Sindicato dos Jornalistas do Pará. Em dez anos de profissão, foi repórter, assessora de imprensa e professora universitária. Não tem filiação partidária.


Pelo projeto enviado ao Congresso, caberá a esses sete jornalistas indicar a primeira diretoria do Conselho Federal de Jornalismo. É exagero supor que os conselheiros serão simpáticos ao PT nas suas escolhas? Nos últimos dias, várias autoridades do governo, incluindo o próprio presidente da República, vieram a público reclamar do "denuncismo" da imprensa, que estaria agindo de forma irresponsável ao enxovalhar a honra alheia sem apresentar provas. A imprensa – no Brasil e no mundo – comete erros e exageros, é claro. Alceni Guerra, ministro da Saúde do governo Fernando Collor, foi massacrado pela imprensa, inclusive por VEJA, sob a suspeita de que teria promovido um festival de irregularidades em sua gestão, mas mais tarde a suspeita se comprovou infundada. Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário-geral da Presidência da República no governo de Fernando Henrique, foi sistematicamente acusado de fazer tráfico de influência quando estava no cargo. Hoje, quatro anos depois, não se comprovou nada de irregular durante sua passagem pelo Palácio do Planalto. Na semana passada, o ex-jornalista Luís Costa Pinto, que trabalhou em VEJA no início dos anos 90, publicou um depoimento na revista IstoÉ relatando sua participação em uma reportagem de capa de VEJA de 1993. A matéria, sobre o então deputado Ibsen Pinheiro, continha números errados a respeito do dinheiro movimentado pelo político, que acabou cassado pela CPI dos Anões do Orçamento. A imprensa erra, mas os erros acabam aparecendo quando não são corrigidos logo em seguida pela apuração correta dos fatos. VEJA lamenta os enganos que cometeu nos casos de Alceni, Eduardo Jorge e Ibsen Pinheiro.


O curioso é que, nos últimos anos, talvez não haja denúncia publicada neste país sem a participação oculta de petistas, que são mestres graduados em fuçar dados sigilosos para fustigar adversários. Os parlamentares do PT também se especializaram em fazer eco a denúncias sem provas e fomentar o denuncismo que agora parece tanto incomodá-los. A própria carreira política do presidente Lula, e de boa parte dos petistas mais estrelados, beneficiou-se largamente da prática denuncista do PT, ajudando a construir a imagem de lisura ética e de combatividade oposicionista do partido. Uma das táticas mais usadas pelo PT era colocar militantes em postos estratégicos do Estado, onde teriam acesso a informações relevantes, e fazer com que vazassem à imprensa. Agora, o governo do PT faz o contrário. Na semana passada, divulgou o rascunho de um decreto pelo qual os servidores são proibidos de falar à imprensa, prerrogativa que ficaria exclusiva a ministros, assessores especiais e chefes de autarquia. É tão autoritário que até o presidente do PT, José Genoíno, se mostrou contra a proposta.


"O servidor público, diante de questões que sinta que são irregulares e ferem a Constituição, não pode ser proibido de falar", diz Genoíno ao defender que os servidores se rebelem contra a medida, caso entre em vigor. "Temos de democratizar ao máximo a sociedade e a relação do Estado com a sociedade", acrescenta Genoíno.


O governo parece querer controlar a imprensa pelas portas de entrada e saída, regulando o acesso dos jornalistas às fontes e examinando o que se publica. É uma atitude perfeitamente totalitária e revela a inclinação do governo em querer controlar tudo. Se o Palácio do Planalto quer ampliar o acesso ao sigilo fiscal por parte de órgãos públicos de investigação, como o governo também propôs na semana passada, cabe discutir, pois, nesse caso, o governo está lidando com um dado que está sob sua responsabilidade – os dados fiscais de cada declarante. A imprensa, porém, não faz parte do aparato estatal nas democracias. A imprensa não está sob a esfera de controle ou responsabilidade do Estado. A imprensa não é nem complementar ao Estado. Ela é livre, independente e, em seus melhores momentos, antagônica ao Estado. 

Não há democracia que controle a imprensa. Nas ditaduras, no entanto, o lema do "todo o poder aos soviets" está em alta. No Gabão, o ditador Omar Bongo, com o qual o presidente Lula desfilou em carro aberto pelas ruas de Libreville semanas atrás, criou um conselho, integrado por membros indicados pelo governo, cuja missão é punir jornalistas e órgãos de comunicação que publicam artigos caluniosos ou incorretos, segundo critérios dos governistas. Em 2002, dois jornais semanais foram acusados de "minar a confiança no Estado e a dignidade de autoridades governamentais". No Quênia, existe censura prévia: todas as matérias devem ser enviadas à análise das autoridades antes de ser publicadas. A infração à norma rende multa de 13.000 dólares e prisão de até três anos. Em ditaduras mais estáveis, como Cuba e China, a imprensa é um mero e desprezível apêndice do poder. Em Cuba, um departamento vinculado ao comitê central do Partido Comunista escolhe, revisa e corrige as reportagens veiculadas pelos órgãos de comunicação oficiais.

Nas democracias mais sólidas do mundo, a imprensa livre faz parte da ordem natural das coisas. Não por acaso, esses países têm, simultaneamente, a melhor e a pior imprensa. Na Inglaterra, onde não há lei específica para a imprensa, ficando os veículos de comunicação e seus profissionais sujeitos à lei ordinária, existem publicações de primeiríssima qualidade e, também, os célebres tablóides sensacionalistas, que não relutam em invadir a vida privada de quem quer que seja em busca de uma notícia. Em 1993, uma comissão parlamentar inglesa, numa tentativa de controlar o sensacionalismo, propôs a criação de um conselho com poder de punir os tablóides. Não deu certo. Tanto os trabalhistas quanto os conservadores se negaram a aprovar leis que limitassem a liberdade de imprensa. Nos Estados Unidos, graças à Primeira Emenda da Constituição, não há um único mecanismo legal de cerceamento da imprensa. De acordo com Josh Friedman, diretor da Faculdade de Jornalismo da Universidade Colúmbia, em Nova York, a criação de um conselho regulatório da imprensa que visa fiscalizar e penalizar veículos e jornalistas é uma ameaça à democracia. "Isso é um absurdo. Trata-se de uma forma de o governo proteger a si mesmo e evitar que a população do país tenha acesso a informações para tirar as próprias conclusões. Fiscalização e censura são comuns em ditaduras, não em governos democráticos", disse a VEJA

Além da escalada de medidas autoritárias da semana passada, o governo petista já deu sinais dessa inclinação quando abordou outros assuntos. O mais surpreendente foi constatar a vontade do governo de aprovar a chamada Lei da Mordaça, que pretende punir os integrantes do Ministério Público que repassarem à imprensa informações sobre investigações ainda em curso. É surpreendente porque, quando estava na oposição, o PT não apenas estimulou essa prática como fez ataques cerrados à idéia da Lei da Mordaça, proposta pelo governo tucano. Agora, ficou a favor. O dado mais perigoso é que o governo dá a impressão de que tem vontade de controlar tudo. Como o próprio nome diz, totalitarismo é a doutrina que não se satisfaz em controlar os processos sob a competência do Estado. O totalitarismo almeja controlar todos os processos, mesmo aqueles nos quais a interferência estatal deveria ser meramente marginal – como a vida em família, a pesquisa científica, a produção artística. 

A Alemanha nazista produziu os mais completos manuais de submissão da imprensa, do cinema, do teatro, das artes plásticas, da literatura, da educação. Na ex-União Soviética, durante o reinado de Josef Stalin, os livros escolares de história foram reescritos, jornais velhos foram reeditados e inimigos políticos eram eliminados das fotografias. No Camboja de Pol Pot, ter uma emissora de rádio, ainda que rudimentar, era considerado crime capital. Na Itália fascista, o ministro da Educação, Giovanni Gentile, um dos nomes mais influentes do governo de Mussolini, dizia o seguinte: "Tudo para o Estado, nada contra o Estado, ninguém fora do Estado". No Brasil de Lula, obviamente, não existe nada parecido com isso. O governo do PT está apenas confuso. É liberal na economia e autoritário na política. "O governo do PT tem o emblema de Janus, o deus bifronte da mitologia", diz o antropólogo Roberto DaMatta, da PUC do Rio de Janeiro. "Há um lado liberal e outro reacionário, hierárquico e autoritário, que quer cada macaco em seu galho vigiado constantemente por um gorila. Quer reviver a tática gorilista da ditadura." Parece tolo. É um perigo.











Veja - Edição 1867 - 18-08-2004

terça-feira, 17 de agosto de 2004

Para Lula, jornalista que não defende conselho é "covarde"

Na posse, presidente da República Dominicana faz discurso contra censura

EDUARDO SCOLESE, da Folha de S. Paulo


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva rotulou ontem, em Santo Domingo (República Dominicana), de "um bando de covardes" os jornalistas que não defendem o projeto de lei enviado pelo governo no início do mês ao Congresso que prevê a criação do CFJ (Conselho Federal de Jornalismo) e suas seções estaduais. Para ele, falta "coragem" à categoria.
"Vocês são um bando de covardes mesmo, hein? Vocês não tiveram coragem de defender o Conselho Nacional de Jornalista", afirmou o presidente, ontem à noite, no saguão de entrada do hotel em que está hospedado.


No momento em que deixava o local para ir a um jantar oferecido pelo novo presidente do país, Leonel Antonio Fernandez Reyna, Lula foi em direção a cerca de dez jornalistas brasileiros, que aguardavam sua saída do hotel. Nem chegou a ser questionado, indo direto ao assunto.
Primeiro, chamou todos de "covardes". Em seguida, questionado por uma repórter se os jornalistas teriam de defender o projeto, Lula afirmou: "É lógico. Cadê a posição classista de vocês ? (...) Não é uma coisa boa pra vocês? Não é uma reivindicação histórica de vocês? Vocês não eram nem nascidos e já se reivindicava isso".


A Folha, então, o indagou se o projeto é de interesse dos jornalistas ou do governo . Lula respondeu, antes de ser cercado por seguranças e deixar o local: "Pra nós não. Pro governo o que importa é fazer as coisas que a categoria entender que é boa para ela".
Na última sexta-feira, em visita ao Paraguai, Lula afirmou que somente falaria com os jornalistas que o aguardavam caso eles se posicionassem a favor da criação do CFJ. "Se vocês começarem a defender o conselho de imprensa, eu dou [entrevista]."
Ontem pela manhã, na cerimônia de posse de Leonel Reyna no governo da República Dominicana, Lula ouviu seu colega defender a liberdade de imprensa.


"Os cidadãos não devem se sentir intimidados e perseguidos pelo poder, e a imprensa não deve ser censurada", afirmou Reyna, em discurso no Congresso do país, diante de oito chefes de Estado da América do Sul, do Caribe e da América Central.
Segundo o projeto de lei do governo, o Conselho Federal de Jornalismo irá, entre outras coisas, "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão e a atividade de jornalismo.
O governo afirma que o envio do projeto ao Congresso não visa encontrar formas legais para controlar a ação dos jornalistas, e sim atender a uma antiga reivindicação da própria categoria. O projeto original é da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas).


Folha de S. Paulo, em 17 de agosto de 2004

domingo, 15 de agosto de 2004

Cúpula da Fenaj é formada por petistas

Entidade nega que filiação ao PT tenha contaminado proposta polêmica de criação do Conselho Federal de Jornalismo 
Por Lilian Christo Foletti, da Folha de S. Paulo



Os cinco principais diretores da Fenaj (Federação Nacional de Jornalismo), que defende a criação do polêmico Conselho Federal de Jornalismo, são filiados ao Partido dos Trabalhadores.
Grosso modo, todos dizem que o fato de serem petistas não contaminou a proposta de criação do conselho, cuja função prevista é "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão e a atividade de jornalismo.
Na semana passada, o projeto foi encaminhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso Nacional. E, apesar de a Fenaj assumir a autoria integral do texto, a questão entrou no centro do debate e recebeu críticas de jornalistas e de outras categorias que viram na proposta uma tentativa de o governo federal do PT controlar a imprensa.

São filiados ao PT o presidente da Fenaj, Sérgio Murillo de Andrade, o primeiro-vice-presidente, Fred Ghedini, o segundo-vice-presidente, Antônio Pereira Filho, o secretário-geral, Celso Augusto Schroder, e o primeiro-secretário, Aloísio Soares Lopes.
Com exceção do presidente do órgão, todos os demais foram ouvidos pela Folha. Andrade foi procurado pela reportagem na sede da Fenaj, em Brasília, na quarta, na quinta e na sexta-feira, e no telefone celular.
Os dirigentes filiados ouvidos pela reportagem manifestaram contrariedade aos serem questionados sobre filiações partidárias.

"É um desvirtuamento da discussão", disse Pereira Filho, que também é assessor de imprensa do Sindprev (Sindicato dos Trabalhadores em Seguridade Social e Trabalho) e presidente do sindicato dos Jornalistas de Alagoas.
Para Schroder, professor de jornalismo, a pergunta é uma "ilação perigosa". "Queremos defender o trabalho do jornalista, não partidos políticos", declarou.

Ghedini também criticou a pergunta. Além de vice-presidente da Fenaj, ele é o presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Ghedini está licenciado há quase três anos de uma redação. "Não acredito que venha ao caso saber a filiação partidária de cada um de nós. Não tenho medo de divulgar que sou do PT, isso não me desabona, mesmo porque o PT não é um partido clandestino."
As duas únicas mulheres que compõem a diretoria da Fenaj, Maria José Braga e Carmem Lúcia Souza da Silva, disseram que nunca foram filiadas a partidos políticos-são as tesoureiras do órgão.
"Não sou filiada, mas não tenho nada contra os que são filiados", disse Maria José, repórter do "Jornal Popular" e dirigente do sindicato de Goiás. Carmem está licenciada de uma redação e dirige o sindicato do Pará.

Para alguns entrevistados, o conselho é vítima de críticas desproporcionais por parte de pessoas que desconhecem o projeto. Para outros, a proposta foi apresentada ao Congresso em um momento ruim, pois teria coincidido com uma fase conflituosa de relacionamento entre o governo do PT e a mídia.
Lopes, que é também presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas e assessor do Crea (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) mineiro, aponta para o desinteresse de empresas jornalísticas. "Algumas empresas não querem um conselho que irá fortalecer os jornalistas e, por isso, procuram desinformar a opinião pública", disse.

Contrários
São contrários à criação do conselho a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), a ANJ (Associação Nacional de Jornais), a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) e a seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).



Folha de S. Paulo, de 15 de agosto de 2004
Link para acesso (assinantes):

A essência da LulaPress é a empulhação

Por Elio Gaspari, da Folha de S. Paulo


Aqui vão dois pares de textos. Relacionam-se com noções de ética e disciplina dos jornalistas. Estão separados pelo tempo, pelo propósito e pela origem.
O primeiro diz o seguinte:
"As notícias devem ser precisas, versando apenas sobre fatos consumados. Não permitir informações falsas, supostas, dúbias ou vagas".
"A divulgação da informação, precisa e correta, é dever dos meios de comunicação pública, independentemente da natureza de sua propriedade".


A segunda frase está no Código de Ética que servirá de base para a definição da alma do projeto que Lula mandou ao Congresso para "normatizar, fiscalizar e punir as condutas inadequadas dos jornalistas". Esse Código, aprovado num congresso da classe em 1987, é muito mais um manual de conduta. Acoplado ao projeto de Lula, resultará num regulamento disciplinar dos jornalistas.
A primeira afirmação é do general Silvio Correa de Andrade, chefe da Polícia Federal em São Paulo, no manual de censura que distribuiu aos jornais em dezembro de 1968, horas antes da edição do Ato Institucional nº 5.


O problema está na coincidência
O Código de Ética do aparelho sindical diz que "é dever do jornalista prestigiar as entidades representativas e democráticas da categoria".
Outro manual de censura, de junho de 1969, avisava que não se podia "publicar notícias ou comentários tendentes a provocar conflitos entre as Forças Armadas, ou entre essas e o poder público, ou entre esses e o povo".
No mundo dos generais considerava-se desprestígio dizer que em alguns de seus quartéis praticavam-se a tortura e o extermínio como política de Estado.
No mundo dos companheiros, os jornalistas têm o dever de "prestigiar" os sindicatos e a Federação Nacional dos Jornalistas, a Fenaj. Seria desprestígio lembrar a maracutaia das aposentadorias de falsos perseguidos políticos, promovida em 1995 pelo Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro?
Qualquer semelhança entre os manuais de censura e a visão autoritária e aparelhada que acompanha o projeto de criação do Conselho Federal do ofício é mera coincidência. Quando uma iniciativa de Lula, associado à Fenaj, guarda semelhanças retóricas com o palavrório dos censores, algo de ruim está acontecendo.
O projeto enviado por Lula ao Congresso ficará alguns anos na gaveta, rosnando. É um documento pedestre, mal-intencionado. Na exposição de motivos o ministro Ricardo Berzoini diz o seguinte: "A sociedade tem o direito à informação prestada com qualidade, correção e precisão, baseada em apuração ética dos fatos". Sabendo-se que, em 1968, durante a reunião em que se decidiu baixar o Ato Institucional nº 5, louvou-se 19 vezes a democracia e condenou-se 13 vezes a ditadura, pode-se perceber como palavras bonitas ("qualidade, correção e precisão") escondem o bornal do controle ("disciplina", "advertência", "censura", "suspensão", "cassação").
O projeto confunde deliberadamente um elemento essencial à profissão (a correção e o zelo pela precisão da notícia) com uma obrigação legal submetida à fiscalização, ao julgamento e à disciplina de um braço sindical sustentado pelo confisco de uma parte da renda dos profissionais.


A imprensa tem horror a fiscalização
Depois de se dizer tudo isso contra o projeto, pode-se argumentar que os jornalistas querem publicar grampos telefônicos obtidos ilegalmente, violar o sigilo bancário dos outros, defender o controle externo dos poderes alheios e escrever mentiras. Quando se fala em fiscalizá-los, esperneiam, cantam a Marselhesa e se escondem debaixo da alegoria da liberdade de imprensa. Quem achar assim estará muito mais certo do que errado.
O pior é que essa pessoa pode achar mais. Ela pode achar que há órgãos de imprensa que vendem reportagens, entregando-as aos leitores como se fossem produto daquela tal atividade protegida pela Constituição. Pode também suspeitar que os governos federal, estaduais e municipais gastam o dinheiro da patuléia e das empresas estatais com publicidade geralmente associada à simpatia do noticiário. Pode amaldiçoar jornalistas que escrevem belezas sobre eventos aos quais foram convidados a custo zero. São as chamadas "bocas-livres". Em suma: há corrupção, e muita, na imprensa. Essas práticas não atingem todos os jornais, revistas e emissoras, mas as maracutaias do mundo das comunicações são menos noticiadas no Brasil do que pedofilia de padre no "Osservatore Romano".
A imprensa brasileira precisa de algum tipo de fiscalização crítica independente. Uma forma simples, pública e bem-sucedida de fiscalização é a figura do ombudsman, adotada em 1989 pela Folha de S. Paulo. Depois de passar por memoráveis vexames, o "New York Times" criou o seu ombudsman no ano passado. Pode-se achar que é pouco.
Devem existir instâncias de fiscalização além do Poder Judiciário? Para médicos, advogados e arquitetos, elas existem.
Essas instâncias devem se misturar com o Estado ou devem se confinar ao universo do prestígio profissional? De um lado ficam os conselhos como os que Lula quer criar. São organismos de alistamento e arrecadação compulsória. De outro, entidades como as associações de jornais, revistas ou emissoras. Como as instâncias fiscalizadoras dos agrupamentos patronais freqüentemente não fiscalizam coisa nenhuma, a bola poderia rolar para a Associação Brasileira de Imprensa?
Essas são questões a respeito das quais cada um deve formar a sua opinião, pronto para mudá-la a cada duas semanas. Debate bonito é assim.


Notícia e verdade não são a mesma coisa
Vale voltar às duas primeiras afirmativas lá de cima. Pode-se sustentar que o Código de Ética dos Jornalistas e o Manual de Censura do general dizem coisas parecidas porque dizem coisas verdadeiras. É aí que mora o perigo. Toda vez que se fala em notícias necessariamente precisas, verdadeiras, seguras e claras, o que se quer é embaralhar o debate. Coisa do tipo enquanto-houver-fome-não-haverá-democracia.
A confusão entre notícia e verdade é uma falácia. Ela foi desmontada há quase um século por Walter Lippmann, um dos maiores jornalistas do seu tempo:
"Quem acredita que notícia e verdade são duas palavras que designam a mesma coisa, não vai a lugar algum. A função da notícia é sinalizar um acontecimento. A função da verdade é trazer à luz fatos ocultos, formando um quadro da realidade dentro do qual as pessoas possam agir. (à) Nós não entendemos a natureza limitada das notícias e a complexidade ilimitada da sociedade; nós superestimamos nossas capacidade de resistir, nosso espírito público e nossa competência". Ele se divertiu lembrando que os cidadãos pagam bom dinheiro pelos seus lugares no teatro e pelas passagens de trem, mas querem comprar a verdade, todos os dias, pagando com a menor moeda em circulação. (Em 1921 os jornais custavam um centavo de dólar.)


"Precisas e corretas" mistificações
Em 1964 num memorável julgamento da Suprema Corte dos Estados Unidos, o juiz William Brennan Jr. redigiu a sentença que assegura à imprensa americana o direito de cometer erros factuais no noticiário relacionado com personalidades públicas. Brennan sustentou que, se os jornalistas forem colocados debaixo do medo de punições legais caso não contem histórias "precisas e corretas", quem perde é a sociedade, por ficar menos informada. Nada a ver com licença para mentir. O jornalista obriga-se a demonstrar que não sabia da falsidade da notícia e que não agiu como se pouco lhe importasse o fato de ela ser verdadeira ou falsa. Se alguém acha que a Corte Suprema é leniente com a imprensa, vale informar que, pelos seus critérios, algumas dezenas de jornalistas brasileiros teriam passado pela cadeia por conta da publicação de grampos. As casas impressoras ou transmissoras onde trabalhavam teriam corrido o risco de falir.
O comissariado que produziu o projeto de LulaPress promete ao público um regime de informações "precisas e corretas", sabendo que esse tipo de doce não existe. Às vezes essa empulhação parte dos jornalistas. Outras vezes parte daqueles que pretendem controlar os jornalistas. Em todos casos, o que se quer é empulhar a patuléia.

Fonte: Folha de S. Paulo - 15 de agosto de 2004: “A essência da LulaPress é a empulhação”.

quinta-feira, 12 de agosto de 2004

Novo projeto do governo cala servidor público

"O governo já tem pronta a minuta de um novo decreto, a ser baixado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para limitar a liberdade de imprensa no Brasil. O texto modifica o Código de Ética do servidor público. A mudança foi feita para impedir que servidores em geral, inclusive técnicos, delegados, chefes de departamento ou diretores de repartições, dêem informações sobre investigações diretamente a jornalistas ou veículos de comunicação.

Elaborada pela Controladoria-Geral da União (CGU), por sugestão do procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, a minuta do decreto estabelece que qualquer informação sobre atividade investigatória compete apenas aos ministros de Estado, aos dirigentes máximos de entidades da administração indireta e aos ocupantes de cargos de natureza especial, como os secretários executivos, diretamente ou por meio da Assessoria de Imprensa. No caso de estatais como a Petrobrás, só o presidente - ou alguém designado por ele - pode dar entrevistas sobre uma investigação.

A proposta altera totalmente a relação histórica entre jornalistas e fontes na produção de notícias de interesse público e confere poder excessivo aos governantes e aos seus principais auxiliares - ministros, presidentes de estatais e ocupantes de cargos de natureza especial, todos de confiança do presidente da República.

Fora eles, só devem falar a Assessoria de Imprensa ou o ‘servidor especialmente designado’ para o exercício de tal atribuição, como o porta-voz oficial. O controlador geral da União, Waldir Pires, não vê na medida tentativa de golpe à liberdade de imprensa.

Pena - ‘O nosso governo é profundamente democrático, integrado por pessoas que sofreram os horrores da ditadura militar. Tudo que se pretende é evitar prejuízos à investigação e preservar o direito legal à presunção de inocência de pessoas investigadas’, diz.

Conforme o texto proposto, os servidores públicos, sob pena de sanções éticas que podem resultar até em abertura de processo administrativo, devem observar o equilíbrio entre a liberdade de imprensa e a necessidade de sigilo para o êxito de investigações de ilícitos penais ou administrativos.

Devem observar também se a informação a ser prestada ‘não se encontra classificada ou passível de classificação como sigilosa, bem como se seu fornecimento não põe em risco a presunção de inocência, a intimidade, a imagem e a honra das pessoas envolvidas’.

Diz ainda o texto que, ‘o servidor envolvido em atividades investigatórias, quando instado, por qualquer veículo ou profissional de comunicação, a prestar informação sobre assunto de que tenha conhecimento em razão de suas atribuições profissionais, deve encaminhar o pedido, acompanhado, se for o caso, da informação correspondente, à Assessoria de Imprensa ou unidade equivalente da entidade ou órgão em que exerce suas funções ou, nos casos em que o órgão ou entidade não dispuser de Assessoria de Imprensa ou unidade equivalente, submetê-lo a seu superior hierárquico’."




quarta-feira, 11 de agosto de 2004

Governo muda texto para poder fiscalizar veículos

Alterações introduzidas pelo governo federal na proposta de criação do CFJ (Conselho Federal de Jornalismo), apresentada ao Ministério do Trabalho e Emprego pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), incluem a fiscalização dos veículos de comunicação entre as atribuições do órgão a ser constituído. A proposta original tratava do exercício da profissão.

Na proposta inicial, o artigo 1º previa, entre as atribuições do CFJ, "orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista". No anteprojeto elaborado pela equipe do ministro Ricardo Berzoini houve acréscimo, fixando como atribuição do CFJ e dos conselhos regionais "orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo".

A comparação dos textos está no site "Observatório da Imprensa". Em artigo sob o título "A "canetada" que o governo não explicou", o jornalista Maurício Tuffani afirma que a modificação "deixa evidente a intenção do governo de extrapolar a pretendida regulamentação profissional". Ele alega que as mudanças não foram explicadas na exposição de motivos do anteprojeto.

Acréscimo semelhante também aparece nos artigos 2º e 3º, que tratam, respectivamente, da competência do conselho federal para resolver casos omissos na lei e da competência dos conselhos regionais.

A Fenaj informa que as alterações foram feitas a pedido da entidade. "Houve um enxugamento do texto. Houve discussões internas no Conselho de Representantes", diz Aloisio Lopes, 1º secretário da Fenaj.

"Muita coisa já estava na legislação profissional. Na maioria dos conselhos, há a expressão que prevê a fiscalização da atividade profissional. É para deixar claro que se vai fiscalizar o exercício da profissão dentro do jornal, dentro da assessoria de imprensa". "É para que se entenda que nós vamos ter acesso às empresas e até solicitar documentos que demonstrem a regularidade do exercício da profissão. Essa fiscalização se refere ao cumprimento da legislação profissional. Se a empresa tem mais ou menos empregados, não está em questão." "É claro que esse projeto pode ser mudado. A proposta não está fechada", diz. (FREDERICO VASCONCELOS)


Folha de S. Paulo, 11 de agosto de 2004
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terça-feira, 10 de agosto de 2004

CONSELHO FEDERAL DE JORNALISMO: "Ameaça que paira no ar"

Por Ricardo A. Setti



Não há como retirar razão a Alberto Dines quando ele chama de "estadonovista" a iniciativa de criar o tal Conselho Federal de Jornalismo e suas respectivas seções estaduais. "Orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício do jornalismo – principais objetivos do CFJ como consta do projeto enviado ao Congresso pelo governo – são verbos que nem mesmo a ditadura militar ousou colocar em lei. Não por acaso, isso ocorre num governo que também quer impor um modelo controlador na área de audiovisual.

Na exposição de motivos que acompanha o anteprojeto enviado ao presidente Lula, o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, diz que "atualmente não há nenhuma instituição com competência legal para normatizar, fiscalizar e punir as condutas inadequadas dos jornalistas". Pois muito bem, não há e nem deve haver, para o exercício livre do jornalismo e o atendimento do que diz a própria Constituição: "É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença" (artigo 5º, inciso IX).

O tal CFJ seria uma autarquia pública, com finanças fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União. Quer dizer, o projeto contém, além de tudo, o vezo autoritário que nos inferniza desde a descoberta do Brasil. Nada "existe", nem a nossa profissão, sem as bênçãos – e o controle – do Estado.

Esse filme já passou antes, nesta e em outras terras, seu final é conhecido – e péssimo. O fato de o CFJ ter sido encampado pelo governo depois de proposto por entidades de jornalistas não lhe confere legitimidade e em nada lhe retira o caráter autoritário. Ele é uma ameaça à liberdade de imprensa e ao direito de o cidadão ser livremente informado. Assim sendo, merece o repúdio dos jornalistas independentes, que pensam com a própria cabeça. Esperamos que seja rejeitado pelos representantes do povo no Congresso Nacional.


Observatório da Imprensa – 10/8/2004: “Ameaça que paira no ar”.

sexta-feira, 6 de agosto de 2004

CONSELHO FEDERAL DE JORNALISMO - "Contra o denuncismo, o peleguismo"

Por Alberto Dines, do Observatório da Imprensa

Acossado por uma saraivada de acusações disparadas por uma parte da imprensa contra membros da sua equipe econômica, o governo fez a opção mais desastrada: enviou ao Congresso um antiquado e controverso projeto para a criação do Conselho Federal de Jornalismo. 

Na justificativa, o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini declara candidamente que a nova entidade deverá "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão e a atividade jornalística. Diz ainda que "atualmente não há nenhuma instituição com competência legal para normalizar, fiscalizar e punir as condutas inadequadas dos jornalistas".

A iniciativa é a mais inábil e atarantada já produzida na esfera da imprensa por algum governo desde a redemocratização em 1985. Tanto no espírito como na forma é rigorosamente autoritária e corporativa. A oportunidade, a justificativa e o conteúdo não poderiam ser mais funestos e inconvenientes. Parece homenagem ao onipotente Estado Novo com toques de Mussolini, George W. Bush e Hugo Chávez. 

Confunde alhos com bugalhos, desconfia que há um problema na mídia brasileira, não consegue identificá-lo e, obviamente, parte na direção oposta da solução correta.
O problema do nosso jornalismo não está nos jornalistas, está na concentração dos veículos de comunicação, na propriedade cruzada e está, sobretudo, em algumas empresas jornalísticas que desprezam suas responsabilidades e ignoram as contrapartidas sociais pelos privilégios oferecidos na Constituição do país. 

O atual surto denuncista leva a assinatura de profissionais, todos respeitáveis, mas é insuflado por algumas empresas de comunicação tomadas de assalto por predadores comprometidos em servir aos interesses contrariados e abiscoitar migalhas de poder. Os vazamentos de processos sigilosos revelam ilícitos mas revela, sobretudo, a espessa ferrugem que entope nosso modelo de transparência.

O denuncismo que tira o sono do governo federal poucos anos atrás era saudado e estimulado pela oposição ao governo anterior, que o considerava fruto legítimo do "jornalismo investigativo". Os profissionais que se especializaram em transcrever grampos de origem suspeita jamais foram forçados a fazê-lo – entregaram-se à tentação de serem glorificados por empresas que confundem independência jornalística com dependência a fontes escusas de recursos.

O ministro Ricardo Berzoini – ou aqueles que o induziram a assinar aquele besteirol – está sendo no mínimo ingênuo ao imaginar que o exercício da engenharia, da química ou da arquitetura assemelha-se ao exercício da atividade jornalística. Embarcou na canoa furada do simplismo, acha que um Conselho Nacional de Engenharia é igual a um Conselho Federal de Jornalismo. Inspirado talvez por Lourival Fontes resolveu ressuscitar os fantasmas do peleguismo e apadrinhar o velho projeto corporativista.

Espasmos e malabarismos

Jornalistas não precisam ser protegidos pelo Executivo, ao contrário, precisam libertar-se das amarras do poder político. O exercício do jornalismo deve ser livre de constrangimentos e filiações suspeitas. Jornalistas precisam de proteção, sim, mas da proteção do Judiciário. Esta é a equação politicamente correta e moralmente defensável. E se há magistrados que não subordinam seus interesses pessoais à cláusula pétrea da supremacia do direito de expressão sobre os demais direitos, estes magistrados precisam ser publicamente denunciados.

A formulação original sobre o equilíbrio entre os poderes foi concebida por Montesquieu e, mais tarde, quando adotada pelos patriarcas da república americana, a imprensa converteu-se no Quarto Poder, contrapoder efetivo e autônomo. Com os jornalistas patrocinados por uma entidade criada pelo governo federal, e cujas contas serão fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União, que tipo de jornalismo será oferecido à sociedade?

Se o governo preocupa-se com a lei da selva que impera nos rincões obscuros da nossa mídia deveria imediatamente acionar o debate para a instituição de uma agência reguladora nos moldes da americana FCC (Federal Communications Comission), criada por Franklin Delano Roosevelt, ou sua equivalente inglesa, a IBA (Independent Broadcasting Authority). Esta é a conduta correta, democrática, liberal e libertária, efetivamente progressista. 

Por coincidência, na mesma hora em que o governo mandava publicar no Diário Oficial a esdrúxula medida discricionária, o candidato John Kerry prometia num comício em Washington resistir à concentração da mídia americana justamente através da FCC.

Ao invés de buscar as simpatias de uma parcela dos jornalistas, sobretudo os hospedados nas assessorias de comunicação dos órgãos públicos, o governo deveria buscar as simpatias dos leitores. São eles os principais interessados numa imprensa sadia, livre dos malabarismos do marketing e dos espasmos sensacionalistas. 



[Também publicado no Último Segundo (http://ultimosegundo.ig.com.br), em 6/8]